Os 7 mistérios da Bíblia
Quando oramos, falamos com Deus. Quando lemos a Sagrada
Escritura, Deus é que fala conosco.”
“Quando oramos, falamos com Deus. Quando lemos a Sagrada
Escritura, Deus é que fala conosco.” A frase é do bispo Isidoro de Sevilha (560
a 636 d.C.), considerado um dos mais importantes teólogos medievais, e retrata
muito bem o status que adquiriu a Bíblia. Apesar de seu nome ser usado no
singular, o significado original em grego é “livros”. Isso porque a obra reúne,
na realidade, 66 escritos, produzidos durante 1.600 anos e por 40 diferentes
autores, desde humildes agricultores e pescadores a renomados reis. Sem ela, o
mundo não seria o mesmo. Foi a Bíblia que trouxe as bases das três grandes
religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Ao se
transformar na publicação mais lida e distribuída no mundo, sendo traduzida
para mais de 2.400 línguas e dialetos, também moldou a cultura e os valores da
sociedade, universalizando direitos e promovendo a liberdade de consciência e
de expressão.
Mesmo diante de tamanha importância, são muitas as dúvidas que
ainda cercam os relatos bíblicos. Milhares de estudos e artigos já foram
publicados sobre os mais diversos trechos e acontecimentos descritos no livro,
mas eles continuam resistindo como fonte de não poucas polêmicas. Tudo bem,
alguém pode culpar Martinho Lutero, João Calvino e os demais reformadores
protestantes e seus ensinos de livre interpretação das Escrituras como a razão
para tantas opiniões diferentes. Mas convenhamos: compreender por que um Deus
tão bondoso permite o sofrimento e ainda manda matar ou entender o que
significam todos aqueles estranhíssimos seres e eventos registrados no
Apocalipse não é nada fácil.
A seguir, você conhecerá sete das mais discutidas questões sobre
a Bíblia nos últimos tempos. O debate é bastante diversificado. Na discussão
histórica, a dúvida é se eventos fantásticos como o dilúvio universal, a Arca
de Noé, a abertura do Mar Vermelho aconteceram ou são apenas simbólicos. Por
outro lado, é analisado um assunto bastante prático, apesar de tantas vezes
metafísico: segundo os textos bíblicos, o que acontece com a pessoa quando ela
morre? E aí, nem o inferno escapa. Se você imaginava ele como um lugar embaixo
da terra, onde enormes labaredas de fogo se misturam a umforte cheiro de
enxofre e para onde vão as almas dos maus logo após seus falecimentos, pode ter
uma enorme surpresa. Encontrar as respostas exige tempo, estudo, oração e,
claro, auxílio divino. Mas a recompensa de conhecer um pouco mais da Palavra de
Deus vale qualquer esforço. Como explicou certa vez o teólogo presbiteriano
Francis Schaeffer (1912 a 1984): “Um simples cristão com a Bíblia na mão pode
dizer que qualquer um, até a maioria, está errado”.
1 – Os grandes eventos e milagres aconteceram mesmo ou não
passam de mito?
Durante séculos, ninguém ousou dizer que algo narrado pela
Bíblia poderia não ser verdade. Se a ciência discordasse de alguma coisa, era
ela que necessariamente estava errada. Esse panorama começou a mudar no começo
do século 18, com a Revolução Industrial e com o Iluminismo. Dentro e fora da
Igreja, pessoas começaram a estudar o livro como qualquer outra obra
histórico-literária, aplicando nele os métodos da análise crítica. O resultado
é visto numa série de questionamentos: A história do dilúvio e da Arca de Noé
não é apenas um mito? O êxodo dos judeus fugindo da escravidão no Egito e
abrindo as águas do Mar Vermelho pode ser simbólico? E o que dizer dos fantásticos
milagres de Jesus, que teria até ressuscitado? Para os mais críticos, eventos
como esses nunca aconteceram. Canaã, a região que hoje corresponde a Líbano,
Palestina, Israel e partes da Jordânia, do Egito e da Síria, estava sob o
domínio egípcio e era necessário criar um relato que inspirasse as diversas
tribos a lutar contra essa situação. Assim, surgiu grande parte do Gênesis e do
Êxodo. Quando a Bíblia conta que as leis mosaicas foram encontradas no templo,
durante o reinado de Josias, por volta de 622 a.C., também inventa um relato
para explicar o surgimento das diversas regras. “Quem escreveu textos como
Deuteronômio foram os próprios sacerdotes da época de Josias”, destaca a
historiadora norte-americana Karen Armstrong em seu livro A Bíblia (Jorge Zahar
Editor).
Ainda segundo Armstrong, depois da volta do exílio babilônico,
por volta de 538 a.C., a fé dos hebreus foi radicalmente transformada. Antes
politeístas e adorando vários deuses, agora eles optam por reverenciar apenas
Yaweh. Sob o comando do sacerdote Esdras, os textos são editados e
enriquecidos. Trechos como os Dez Mandamentos e a proibição de casamento dos
judeus com outros povos teriam surgido ali. Entre aqueles que fazem coro com a
historiadora estão vários teólogos liberais. Para eles, a Bíblia usa uma
linguagem figurada e poética muito forte. Moisés não abriu o Mar Vermelho, mas
faz sentido usar isso como metáfora, já que o mar é símbolo do caos e, para se
libertar, o povo vence as forças do caos egípcio justamente com a ajuda de
Deus.
Ultimamente, essas versões ganham força principalmente por causa
de livros, documentários televisivos e reportagens em revistas seculares. Mas
são pouco aceitas entre a maioria dos evangélicos. “Como sacerdotes do tempo de
Josias teriam inventado essas histórias se mais de 200 culturas, por exemplo,
preservaram a história de uma grande inundação que destruiu a Terra e da qual
foram salvas algumas pessoas num grande barco? É bastante provável que esses
eventos realmente aconteceram”, afirma o jornalista adventista Michelson
Borges, autor do livro A História da Vida (Casa Publicadora Brasileira).
Borges explica que dificilmente os hebreus teriam copiado essas
histórias, já que seus relatos mais simples sugerem tratar-se das narrativas
originais. “Além desses argumentos, há várias evidências geológicas e achados
arqueológicos que confirmam a veracidade dos textos bíblicos”, completa. No
caso do dilúvio, as evidências seriam variadas: metade dos sedimentos
continentais são de origem marinha; fósseis de animais marinhos são encontrados
costumeiramente em grandes montanhas.
Já a existência de escravos hebreus no Egito é atestada por
pinturas nas paredes das pirâmides e por papiros de sarcedotes egípcios, como
Ipuwer, que menciona as mesmas pragas bíblicas que assolaram a nação. Estudando
os originais hebraicos do Antigo Testamento, ainda é possível encontrar
palavras e expressões que são claramente de origem egípcia, o que indica que
seu autor era versado nos idiomas e tradições de ambas as culturas, perfil que
combina bem com Moisés.
2 – As profecias do Apocalipse são literais?
Grandes bestas que emergem do mar, multidões vestidas de branco
no céu, julgamentos e vinganças empreendidas por cavaleiros sobrenaturais e
animais monstruosos, que mais parecem ter saído de um filme de terror. O
Apocalipse é um dos mais assustadores e fantásticos relatos da literatura em
todos os tempos. Considerado uma revelação sobre a volta de Cristo e o fim do
mundo, cristãos em todas as épocas o consideraram profético, ou seja, com
descrições do futuro. Mesmo que pouco entendessem daquilo que está escrito
nele.
“Muito do medo que vem da leitura do Apocalipse existe porque as
pessoas ignoram que essa mensagem foi escrita para um público específico num
contexto específico: as sete igrejas da Ásia Menor do final do primeiro
século”, defendem Wes Howard-Brook e Anthony Gwyther no livro Desmascarando o
Imperialismo (Edições Loyola e Paulus). Durante muito tempo, acreditou-se que o
Apocalipse fora escrito para ajudar os seguidores de Jesus a manter a fé em
meio à desgraça provocada por uma terrível perseguição, com a promessa de que a
iminência do fim encerraria sua grande tribulação.
Essa hipótese já não encontra apoio nem entre os estudiosos mais
liberais. Em fins do primeiro século, não havia perseguições generalizadas ou
sistemáticas naquela região. Mas a sombra do poderoso Império Romano e seus
valores corrompidos pairava sobre as pequenas e insipientes comunidades
cristãs. Para que elas não sofressem a tentação de fazer as pazes com Roma, João
revelou o Império como a prostituta sedutora que oferecia a boa vida em troca
de obediência e de uma besta esfomeada que devorava todos os que ousassem se
opor a ela.
Que o Apocalipse é um texto altamente simbólico parece haver
consenso. Mas muita gente acredita que essa simbologia, sim, já desencadeia e
ainda provocará outros eventos bem reais até o fim dos tempos. “Logo no início
do livro, vemos que seu conteúdo abrange o passado, o presente e o futuro da
Igreja. ‘Escreve as coisas que tens visto, as que são e as que depois destas
hão de acontecer’ é a ordem que João recebe”, explica o jornalista e pastor
assembleiano Ciro Sanches Zibordi, autor do livro Evangelhos que Paulo Jamais
Pregaria (CPAD). “Eventos como o juízo final, o trono branco e a Nova Jerusalém
não aconteceram. Como pensar que se referiam àquela época?”, questiona.
Desse modo, as bestas de Apocalipse 13 são simbólicas. Mas a
primeira besta representaria, na realidade, um líder ou poder político e o
falso profeta, um personagem religioso. Outra passagem real seria a guerra no
céu, descrita no capítulo anterior. Apesar de trazer também consequências e
efeitos futuros, ela mostra a rebelião de Satanás e como ele foi expulso com um
terço dos anjos rebeldes da presença divina. “Por tudo isso, creio que a
advertência para não ignorar as profecias são muito válidas. Eventos como a
grande tribulação, a volta e vitória de Jesus, a prisão de Satanás e o
estabelecimento do Milênio, o julgamento e o novo céu e nova Terra se cumprirão
literalmente”, aposta Zibordi.
3 – O que acontece com a pessoa quando ela morre?
Um ditado popular garante que a única coisa certa para quem está
vivo é de que um dia morrerá. Apesar dessa certeza, se existe algo que quase
ninguém quer é morrer. Muito por conta da aura de mistério que cerca aquilo que
está reservado ao ser humano no além-túmulo. Certo mesmo, segundo a Bíblia, é
que essa história de reencarnação não existe. Todos passam por aqui uma única
vez e depois disso serão julgados. E, se a vida terrena é o ponto de partida, o
de chegada será a vida eterna, mas em corpos ressuscitados. Pelo menos, para
aqueles que crerem em Jesus.
No demais, ou seja, o que acontece nesse meio tempo, enquanto os
mortos não ressuscitam, é que as opiniões se dividem. “De acordo com as
Escrituras, somos constituídos de uma parte material, o corpo, e outra
imaterial e imortal, a alma ou espírito. Alguns defendem que esse espírito
seria um terceiro elemento. Quando a pessoa morre, a alma continua consciente”,
afirma Paulo Sérgio de Araújo, autor do livro Qual o Destino do Homem? (Editora
Lio).
Para defender seu ponto de vista, ele cita dois exemplos:
Moisés, que mesmo falecido, apareceu no Monte da Transfiguração (Mateus 17.1-9)
e o apóstolo Paulo, que disse preferir partir ou morrer para estar com Cristo
(Filipenses 1.23). “Se o apóstolo acreditasse que sua morte o lançaria num
estado de total e literal inexistência, cortando sua comunhão com o Senhor,
seria um absurdo total ele declarar que morrer era melhor do que continuar
vivo.”
Apesar disso, esses mortos não ficam vagando por aí como almas
penadas e têm contato com os vivos como algumas religiões acreditam. “Até
Cristo, todos ficavam no lugar que em hebraico quer dizer sheol, em grego,
hades, e em latim, infernus. Daí nossa palavra inferno. Mas longe de ser um
lugar tenebroso, tinha duas divisões. Os ímpios eram atormentados, mas os
justos ficavam no paraíso ou seio de Abraão. Após a ascensão de Cristo, os
salvos vão para o céu e ficam na presença do Senhor”, explica Araújo.
Nem todos interpretam os acontecimentos depois da morte dessa
maneira. “Para entender a morte, é preciso compreender a vida”, diz o
jornalista e pastor adventista Wendel Lima. Ele cita a criação do ser humano em
Gênesis 2:7 para desvendar o mistério. Nessa passagem, Deus sopra o fôlego de
vida num boneco de barro e o torna uma alma vivente. “Diferente do que os
gregos diziam, o homem é indivisível. Quando ele morre, a alma, que é toda a
pessoa, com seus intelecto e emoções, acaba. O corpo volta para o pó e o
espírito ou fôlego de vida para Deus, como ensina Eclesiastes 12:7.”
Ele também recorre às línguas originais para explicar sua visão.
Enquanto espírito, em hebraico, tem o sentido de “sopro” ou “vento”, alma dá a
ideia de “pessoa” ou “ser vivo”. “Nada de Gasparzinhos”, aponta. O mesmo
acontece com sheol ou hades. “Esse lugar nada mais é do que a sepultura, onde
todos os mortos descansam até o tempo da ressurreição e do juízo”, defende
Lima.
4 – Deus mandou matar?
Guerra santa é um assunto que ganhou destaque na imprensa depois
dos atentados de 11 de setembro de 2001. E normalmente causa mal-estar e
pesadas críticas de cristãos sinceros ao lembrar que, naquela ocasião, mais de
2 mil inocentes morreram nos choques dos aviões contra as Torres Gêmeas, em
Nova York. Porém, o que poucos se dão conta é que algo muito parecido aconteceu
milhares de anos atrás e está registrado nas páginas da própria Bíblia. Ali,
mais precisamente no livro de Josué, Deus ordena sem qualquer cerimônia a seu
povo que invada a cidade de Jericó e mate todos os cananeus que lá encontrar,
sejam eles homens, mulheres ou mesmo crianças.
Não é de hoje que a ordem divina provoca consternação geral.
Afinal, por que um Deus tão bom, que quer a salvação de todos, ordenou tal
massacre? Essa questão já gerou acaloradas discussões e realmente não há
explicações fáceis. À primeira vista, a impressão que dá é que a divindade do
Antigo Testamento é muito diferente daquela que enviou o próprio Filho para
morrer numa cruz pela humanidade no Novo. “De fato, há uma descontinuidade de
algumas práticas do Antigo para o Novo Concerto. Antigamente, os israelitas
eram usados por Deus como instrumentos de seu juízo. Hoje, é uma traição ao
Evangelho pegar em armas para promover os interesses de Cristo”, diz o teólogo
Tremper Longman III, no livro Deus Mandou Matar? (Editora Vida).
Para tentar solucionar o imbróglio, Longman propõe analisar a
situação sobre dois atributos pessoais de Deus: seu amor e sua justiça. Ao
mesmo tempo que ele é amor e quer salvar a todos, também é justo e cobrará a
cada um segundo suas obras. O relato de Josué mostra que houve pessoas em
Jericó, inclusive a prostituta Raabe, de quem descenderia Cristo, que foram
poupadas. Se houvesse outras pessoas que mudassem sua posição, igualmente
seriam poupadas. “Deus não é injusto. Porém, naquele contexto, a população de
Jericó teve conhecimento da chegada dos israelitas e tomou partido de seus
deuses contra Yahweh. Naquele tempo, a revelação ainda começava e demoraria
tempo para que os valores cristãos pudessem ganhar força e moldar a consciência
social. Mesmo assim, quem tem problemas com relação à conquista de Canaã,
também terá em compreender o juízo de Cristo, pois nele, todos os
desobedientes, independente de idade ou condição serão jogados no lago de
fogo”, compara Longman.
Inevitavelmente, a questão puxa outra: como um Deus amoroso
permite tanto sofrimento no mundo? Para debater “o problema da dor”, como C. S.
Lewis certa vez chamou o assunto, é necessário deixar algumas coisas claras. De
acordo com a Bíblia, nessa história não há inocentes, todos pecaram e estão
sujeitos às mais diversas situações em um mundo de injustiça. Não que esta seja
a vontade divina. Pelo contrário: ele criou tudo perfeito, mas quando o homem
se afastou de seus caminhos, permitiu a entrada da dor, do sofrimento e da
morte no mundo.
“A lição de que a rebelião – e todo pecado – leva à morte é
muito clara no Jardim do Éden. Na ocasião, Adão e Eva deveriam ser mortos na
hora, mas foram poupados e receberam uma nova chance. Essa graça é o motivo de
qualquer um de nós ainda estar respirando. Deus minimiza o mal causado pelo
homem. Assim operam sua justiça e seu amor, ainda que não aceitemos muito bem
tudo isso”, finaliza Longman.
5 – A lei foi abolida?
Desde que apóstolo Paulo começou suas viagens missionárias essa
questão divide as opiniões dentro da Igreja. É fato que algo foi abolido por
Cristo na cruz, como propõe o próprio apóstolo dos gentios. Das 613 ordenanças
entregues a Moisés no Monte Sinai, algumas reafirmações de leis já existentes,
várias não são mais seguidas pelos cristãos modernos. Com exceção das
comunidades judaico-messiânicas, que têm seus próprios motivos, ninguém mais
pratica a circuncisão ou durante o mês de setembro acampa no lado de fora de
sua casa para celebrar a Festa das Cabanas.Entretanto, é impensável que alguma
igreja aceite que seus membros adorem outros deuses ou matem. Afinal, o que
vale ainda nos dias atuais?
Primeiro é preciso esclarecer o que é essa tal “lei”. O termo
mais comum em hebraico para designá-la é torá e em grego nomos, mas tanto pode
se referir ao conteúdo total do Antigo Testamento, literalmente “a Lei e os
Profetas”, quanto aos cinco primeiros livros bíblicos, o Pentateuco, aos Dez
Mandamentos, à vontade revelada de Deus, a preceitos civis de Israel ou
cerimoniais, como os sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes como ofertas ou
pelo perdão dos pecados da nação.
Os preceitos abolidos consistiriam essencialmente em cerimônias,
como os sacrifícios. “Esse cerimonialismo foi usado por Deus para apontar a
figura de Cristo. Mas os preceitos morais, como os Dez Mandamentos, continuam
válidos para o povo de Deus, como Jesus mesmo garantiu ao repreender aqueles
que violavam os mandamentos, por menor que fossem. A salvação é pela graça, mas
para uma vida de obediência”, explica o professor Rodrigo Pereira Silva,
professor do Centro Universitário Adventista (Unasp), em Engenheiro Coelho
(SP), que faz parte de uma corrente que defende a validade do decálogo,
inclusive a guarda do sábado como dia de adoração a Deus, para os cristãos.
Na visão do professor Jorge Pinheiro, da Faculdade Teológica
Batista de São Paulo, discutir a graça divina é essencial, pois muita gente
confunde salvação com obediência à lei. “Ninguém é justificado pelas obras da
lei. No Antigo Testamento, a lei fazia parte do arcabouço salvífico da religião
de Israel, junto do sistema sacrificial. Jesus dá início ao processo de
desmistificação do papel da lei na salvação e Paulo leva essa compreensão a seu
ponto mais alto. Ora, a salvação surge dá fé que a pessoa manifesta em Cristo.
Para alcançá-la deve-se crer e receber de graça e com arrependimento o dom de
Deus”, explica.
Pinheiro esclarece que a graça não exime o cristão de suas
responsabilidades, mas muda sua vida. “A obediência ética sem amor é imposição
cruel. Firma-se um relacionamento com Deus a partir da conversão, no qual, essa
obediência acontece na forma de novidade de vida, porque a graça da salvação
alcançou o indivíduo.”
6 – O que são os dons espirituais?
Corria o ano de 1906, quando uma série de eventos
impressionantes teve lugar em um antigo estábulo localizado no número 312 da
Rua Azusa, em Los Angeles, Estados Unidos. Todos os dias, mais de mil pessoas
de todos os cantos do país e até do exterior chegavam ali para participar dos
cultos evangélicos comandados por William Joseph Seymour. Todos buscavam a
mesma coisa: o batismo no Espírito Santo com a evidência do falar em línguas,
um revestimento de poder sobrenatural para cumprir a vontade divina.
O moderno movimento pentecostal pode não ter nascido em Azusa,
mas depois dali, nenhuma igreja evangélica seria mais como antes. Os dons
espirituais passaram a receber uma nova ênfase, tanto em denominações que
aceitaram a renovação carismática quanto naquelas que, mesmo fechadas à
novidade, descobriram as vantagens de buscar mais profundidade na vida
espiritual mediante um renovado relacionamento com o Espírito Santo.
írito encontram-se em passagens como Romanos 12, 1 Coríntios 12
e Efésios 4. Alguns estudiosos chegam a elencar mais de 30 deles. Cem anos após
Azusa é difícil encontrar igrejas que não aceitem a validade desses dons para
os dias atuais. Mas aquelas mais tradicionais excluem as manifestações
carismáticas, especialmente falar línguas ininteligíveis, de seus cultos. Para
elas, certos sinais e maravilhas eram restritos aos tempos apostólicos e quando
Paulo fala sobre profecia, refere-se à pregação inspirada no púlpito, ou sobre
línguas, à capacidade de aprender outros idiomas humanos.
“É verdade que há dons de serviço e ministeriais, mas eles
diferem daqueles nove mencionados em 1 Coríntios. Esses são capacitações
sobrenaturais dadas por Deus para sua Igreja”, aponta o pastor Enéas Tognini,
da Igreja Batista do Povo, em São Paulo, e presidente de honra da Sociedade
Bíblica do Brasil. Em 1958, Tognini, um batista bastante conservador, teve sua
primeira experiência em relação aos dons e falou em línguas. Nos anos seguintes,
tornou-se uma das figuras centrais no processo de renovação de inúmeras igrejas
batistas, presbiterianas e metodistas Brasil afora.
Ao analisar os dons espirituais e contar algumas de suas
experiências, o veterano pastor de 95 anos, 68 deles dedicados ao ministério,
garante: não se trata de emoção, mas de realidade. “Dons como profecia,
conhecimento e sabedoria não dependem de estudo prévio. São revelações que Deus
dá a respeito da realidade ou do que deve fazer uma pessoa em circunstâncias
que para ela são impossíveis de resolver. O discernimento dá à pessoa a
capacidade de saber se aquilo que está operando vem de Deus, da carne ou do
diabo. Já as línguas não são chamadas de estranhas por acaso. São uma linguagem
espiritual e precisam de uma interpretação sobrenatural para que sejam
entendidas. Junto com dons de curar e de realizar milagres são ferramentas que
não podemos desprezar se queremos fazer o melhor para o Senhor.”
7 – Qual é o pecado que não tem perdão?
Certa vez, enquanto expulsava demônios, Jesus fez uma
advertência que até hoje causa temor em muitos que lêem as Sagradas Escrituras.
Ele alertou as pessoas para que se prevenissem contra o “pecado que não tem
perdão”. Muitas teorias já foram elaboradas para tentar descobrir o que ele quis
dizer com essa expressão. Há quem fale em suicídio, adultério ou na rejeição da
mensagem do Evangelho. Mais recentemente, os pentecostais passaram a usar o
termo para advertir aqueles que não aceitassem suas línguas e profecias. “Não
há base bíblica para essas suposições. Primeiro, a pessoa deve ficar calma: se
é crente em Cristo Jesus e está preocupado se, por ventura, já cometeu esse
tipo de pecado, pode estar certo de que nunca o praticou”, explica Josivaldo de
França Pereira, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil e autor do livro Atos
do Espírito Santo (Editora Descoberta).
Nas palavras do próprio Jesus, o pecado imperdoável é a
blasfêmia contra o Espírito Santo. “Em verdade vos digo que tudo será perdoado
aos filhos dos homens, mesmo as blasfêmias contra o Filho do Homem. Mas aquele
que blasfemar contra o Espírito não tem perdão para sempre, visto que é réu de
pecado eterno”, disse ele em Mateus 12.22 a 32. “Por que essa pessoa não tem
perdão?”, questiona Pereira. “Por que não se arrependerá de seu pecado, visto
que jamais sentirá o desejo de confessá-lo.”
Para entender melhor esse pecado é preciso lembrar aquelas que
seriam as tarefas do Espírito Santo no mundo. Segundo Jesus, além de ensinar e
lembrar os crentes, ele convenceria o homem a respeito do pecado, da justiça e
do juízo divinos. Porém, como completou Paulo, se o indivíduo não dá ouvidos ao
Espírito, pode chegar ao ponto de entristecê-lo e apagar sua influência
(Efésios 4.30 e 1 Tessalonicenses 5.19). E há pontos tão distantes de Deus que
não permitem mais o retorno. Eles chegam quando surge uma contínua e deliberada
rejeição contra o testemunho do Espírito em toda sua obra. Sem perceber, a
pessoa rejeita e se opõe ao único recurso que pode levá-la ao arrependimento,
ao perdão e a uma mudança. Com isso, seu coração torna-se endurecido e sua
consciência, insensível. Sem arrependimento e confissão, ela ficará longe de
Deus até o fim. Por isso, o perdão torna-se impossível.
Marcos Stefano
Jornalista da revista Eclésia
Fonte: Revista Eclésia edição n°140
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