Morrer para viver mais e melhor
Leonardo Boff
O sentido da vida depende do sentido que damos à morte. Se a morte é vista como simples negação da vida e como tragédia biológica, então vale o que São Paulo já dizia: "comamos e bebamos pois amanhã morreremos".
Mas há culturas que lhe deram um sentido mais alto. Ela é oportunidade de construir o próprio destino e de plasmar o mundo à nossa volta consoante um projeto civilizatório.
O cristianismo, por sua vez, propõe a sua representação da morte. Não contrária à vida, mas como uma invenção inteligente da vida para poder dar um mergulho radical na Fonte de toda vida. A morte não seria um fim-termo, mas um fim-meta alcançada, um peregrinar rumo ao Grande Útero paternal e maternal que enfim nos acolherá definitivamente.
Dentro do cristianismo desenvolveu-se, com referência à morte, uma tradição de grande significação e de sentido de festa. Trata-se da tradição franciscana. Francisco de Assis conseguira uma reconciliação bem sucedida com todas as coisas, com as profundezas mais obscuras de nossa vida e com suas dimensões mais luminosas. Cantava a morte como irmã. Não como bruxa que nos vem arrebatar a vida, mas como irmã que nos introduz no reino da plena liberdade. Morreu cantando salmos e cantigas de amor da Provence.
Os franciscanos todos guardam esta herança sagrada na forma como celebram a morte de algum confrade, membro da comunidade. A mim, como frade (que ainda sou em espírito) me tocou vivenciá-lo inúmeras vezes. É simplesmente comovedora - uma pequena antecipação do novo céu e da nova Terra - dentro deste já cansado planeta. Ao se aproximar a morte do confrade, toda a comunidade se reúne ao redor de seu leito. Recitam-se salmos e orações, infundindo confiança ao moribundo para o Grande Encontro. No dia em que morre, à noite faz-se festa. É a chamada "recreação". Ai há confraternização, comida, bebida, comentários sobre a saga pessoal do confrade falecido e jogos de vários tipos.
No dia seguinte faz-se o enterro. E à noite, nova "recreação" festiva. O que se esconde atrás desse rito de passagem? Esconde-se a crença de que a morte é o vere dies natalis, o verdadeiro Natal da pessoa, o momento em que acaba de nascer definitivamente. Como não estamos ainda prontos, embora inteiros, cada dia vamos nascendo, progressivamente, até acabar de nascer. Isso dá-se na morte. Esta não é a campa da vida. É seu berço. Quem pode se entristecer com o nascimento da vida? É Natal e Páscoa, magnificação da vida mortal que a partir da morte se eterniza. Portanto, há bons motivos para festejar e celebrar.
O efeito desta compreensão é a desdramatização da morte e a jovialidade da vida. A vida não foi criada para terminar na morte, mas para se transformar através da morte. Esta representa aquele momento alquímico de passagem para uma outra ordem de realidade, onde a vida pode continuar sua trajetória de expressão das infinitas possibilidades que contem, até aquela de poder se fundir com a Suprema Realidade.
Então podemos dizer: não vivemos para morrer. Morremos para viver mais. Melhor ainda: para permitir a ressurreição da carne que é a revolução dentro da evolução.
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