sábado, 29 de outubro de 2011

Homossexualidade e Religião (Gustavo Prado)



Durante séculos, a atitude de muitas religiões com relação à sexualidade humana foi bastante negativa. A relação sexual sempre esteve direcionada, unicamente, para fins de procriação, e não para o prazer ou o sentimento que une dois seres. Mulheres e escravos eram considerados propriedade de alguns homens e as diversas formas de manifestação dos desejos heterossexuais e homossexuais eram condenáveis, principalmente as do segundo grupo.
Tais tradições continuam a influenciar as igrejas de hoje, como a subjugação da mulher. Muitas delas ensinam que a mulher deve estar subordinada ao homem, por exemplo. Estas igrejas, que não nos cabe citar, pregam que todos os atos homossexuais são pecados, e se referem, freqüentemente, à sua própria e particular interpretação das Escrituras.
Outras igrejas são influenciadas por um século de reflexões psicanalíticas sustentadas por minorias influentes no meio médico. Consideram a homossexualidade como uma forma de doença. Se bem que, atualmente, seus propósitos estejam completamente desacreditados pela medicina oficial. Assim, muitas igrejas e clérigos continuam a ser influenciados por esta idéia, dizendo que os homossexuais têm uma estrutura sexual “inacabada” e necessitam de uma “cura”.

Não existe uma uniformidade de pensamento em relação às passagens bíblicas
Felizmente, novos estudos e conclusões científicas à respeito da orientação sexual humana forçam as igrejas e grupos religiosos a reexaminarem suas posições. Existe hoje, igualmente, muita discordância envolvendo a variedade de interpretações da Bíblia no meio acadêmico. Um número crescente de especialistas bíblicos e de teólogos reconhecem agora que as Escrituras não condenam a relação homossexual responsável, adulta e plena de amor. Homossexuais devem ser aceitos como tais pelas igrejas cristãs e a relação homossexual deve ser reconhecida, respeitada e aceita.
Por ora vamos nos deter à Bíblia, a base das religiões judaico-cristãs. Não nos cabe aqui julgar ou condenar a veracidade dos textos bíblicos, um conjunto de relatos que cobrem mais de mil anos de história e que retratam as relações de Deus com o povo hebreu e os primeiros cristãos. Vamos simplesmente demonstrar, de forma sintética, as passagens que parecem se referir à homossexualidade e, igualmente, questionar o contexto histórico, as formas de tradução dos originais e, principalmente, as diversas formas de interpretação destes textos. Não existe uma uniformidade de pensamento em relação às passagens bíblicas, o que causa enorme confusão, levando algumas pessoas a interpretarem as Escrituras de forma irresponsável.
Os textos bíblicos foram traduzidos para vários idiomas, cada qual segundo um estilo e forma literária de acordo com o tempo em que foi produzido e com um contexto cultural muito diferente dos nossos dias. Diferenças culturais do passado bíblico geram hoje diferentes formas de visão dos textos, levando alguns cristãos, por exemplo, a dizerem quem é e quem não é realmente cristão.

O problema é que a Bíblia fala pouco sobre certos assuntos
A tradução bíblica e a teologia diferem de igreja para igreja, mudando igualmente segundo as épocas. Nosso mundo, hoje, difere enormemente do mundo de cem, quinhentos, mil anos atrás. A escravidão que era tida como força imperativa de separação entre dominantes e dominados no passado, hoje é vista como uma monstruosidade, um atentado contra os direitos fundamentais da pessoa humana. O mundo mudou, naturalmente. Mas e a Bíblia ou as igrejas que tentam pregar o amor? Difícil responder.
Vários são os fatos que refutam as antigas concepções religiosas acerca da homossexualidade. Novas informações científicas, as mudanças sociais e estudos contemporâneos das Escrituras têm sido fundamentais para mudar a interpretação da Bíblia e tudo isso tem contribuído para fazer crescer a fé homossexual. O que hoje se acredita ser pecado, amanhã pode não mais sê-lo, e numa analogia podemos ilustrar a antiga crença religiosa de que a Terra era o centro do Universo, idéia que acabou sendo derrubada pela ciência, posteriormente.
A maior parte das igrejas cristãs crê que a Bíblia é inspirada por Deus e é a fonte principal da autoridade para a fé cristã. Por isso, o que ensina a Bíblia sobre um certo número de temas, incluindo a sexualidade, é de grande importância, mas o problema é que a Bíblia fala pouco sobre certos assuntos e deixa a desejar um esclarecimento mais profundo e condizente com nossos dias.

O mundo mudou e a Bíblia tem de ser revista
Há os que asseguram que a Bíblia não pode ser contestada por ser a palavra de Deus. Entretanto, o próprio Vaticano vê com bons olhos a explicação científica da criação do universo a partir de uma grande explosão – o Big Bang – e não há como que se discutir que tal teoria venha a contrariar os sete dias da Criação descritos na Gênese.
O mundo mudou e a Bíblia tem de ser revista, não apenas como um livro religioso, mas como uma poderosa fonte histórica e escrita por mãos humanas – leia-se mãos falhas, que nem sempre foram capazes de traduzir com perfeição o que vinha sendo transmitido de geração a geração. Isso é inegável, principalmente depois de tantas traduções que sofreu e do vergonhoso domínio imposto pela Igreja na Idade Média, ocultando informações, incitando temor infundado aos fiéis e até mesmo matando em nome de Deus.
Nosso objetivo não é nos determos junto à Igreja, em si, mas como não questionar uma instituição baseada em princípios tão ardilosamente construídos visando simplesmente a manipulação por meio do temor à Deus e a obtenção do poder? Felizmente, este período negro na história da humanidade passou. Mas há ainda muitos inquisidores presentes na nossa sociedade, inquisidores que se negam a abrir os olhos para a luz da “boa nova”: o Amor incondicional trazido por Cristo. O amor é a chave para se encontrar Deus. É importante, acima de quaisquer julgamentos puramente humanos e falhos, voltar-se para os grandes princípios de Jesus Cristo: Amar a Deus sobre todas as coisas; ama teu próximo como a ti mesmo; não julgueis para não serdes julgados”.

A Bíblia estipula que as mulheres devem ser isoladas enquanto menstruadas
Algumas igrejas cristãs sempre condenaram a homossexualidade porque a consideram contrária às leis da natureza, mas também, por muito tempo, têm eleito o celibato como forma ideal de vida, o qual, alguns podem argüir, é igualmente contrário à ordem natural. Se a Bíblia diz: “crescei e multiplicai-vos”, esta regra deveria ser universal, mas no caso dos sacerdotes, o celibato deve ser respeitado.
E se a função do sexo é a reprodução, não deveria ser visto como um pecado. A mesma Bíblia, no Velho Testamento, estipula que as mulheres devem ser socialmente isoladas enquanto menstruadas, que os pais devem matar seus filhos se estes adorarem qualquer outro deus que não o Deus Único e que aqueles que trabalham no Sábado devem ser executados. Poucos cristãos hoje concordam com estas idéias, mas acreditam que a homossexualidade é condenável simplesmente porque é condenada pela Bíblia.
A mesma Bíblia da qual “às vezes” discordam.

Fonte: Bule Voador 
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GustavoGustavo Prado é professor e teólogo.

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