sexta-feira, 6 de abril de 2012

Tributo ao humilde (Ricardo Gondim)



Ricardo Gondim

Sequioso por descrever seu desprezo pela falsa humildade, Friedrich Nietzsche alvejou: “Certos pavões escondem de todos os olhos sua cauda, chamando isso de orgulho”. De fato, nada mais delicado do que tentar escrever uma linha sequer sobre o humilde. Uma piada antiga fala do empavonado que publicou livro com o título: “Humildade, como eu a alcancei”.

Um dos biógrafos de Winston Churchill narra sobre determinada noite em que ele faria um discurso  para um auditório abarrotado. Um jornalista o abordou: “O senhor não se sente lisonjeado de saber que multidões sempre se reúnem para ouvi-lo?”. O primeiro ministro respondeu: “Não, porque se fossem me enforcar eu teria uma multidão duas vezes maior”.

Humildade desveste o coração dos veludos emprestados; liberta a alma das frivolidades sociais; manda às favas a respeitabilidade; não se importa em perder e não considera o triunfo essencial para definir o caráter.

Para André Comte-Sponville, humildade “não é a ignorância do que somos, mas, ao contrário, conhecimento, ou reconhecimento de tudo o que não somos”. O humilde confessa não captar todos os sons e não enxergar todo o espectro luminoso. Ele se sabe ignorante em algum assunto – e nunca disfarça.

Humildade exige que se admita: tudo é provisório. A saúde depende de um tênue equilíbrio; a reputação carece da discrição das pessoas; o futuro deriva de incontáveis acasos. No reino da humildade toda e qualquer jactância é impertinente. Homens e mulheres mimetizam, plagiam, imitam desde cedo. Todos colecionam ajuda alheia logo que veem à luz – “Sou o que sou pela graça”.

Dwight Moody afirmou: “O homem pode demonstrar um falso amor, uma falsa fé, uma falsa esperança e outras graças, mas jamais poderá simular humildade”. Simplicidade liberta as pessoas da dependência de máscaras. O pedante precisa cobrir-se para investigar os demais. O humilde, despido, deixa-se investigar. O soberbo paga preço alto por qualquer lupa que o ajude encontrar argueiros em olhos alheios. O humilde se incomoda com as traves que bloqueiam os seus próprios olhos.

Como descreveu A. Pronzato, “pessoas humildes sabem que debaixo do verniz do ‘honestismo’, da moralidade, da hipocrisia e da religião, há todo o resto”. 

Humildade e desejo de onipotência não combinam. Petulância não admite fragilidade, não reconhece limites, não aceita inadequações. O insolente nunca se dispõe imitar os passos de Jesus que, sendo Deus, não considerou apegar-se ao poder. Ele preferiu vulnerabilizar-se no amor. Stanley Jones acertou: “A essência do divino é a humildade. E o primeiro passo para encontrar a Deus é destruir o orgulho”.

O soberbo se embrutece. Ele recusa a pendurar o uniforme do poder. Com o cabide vazio, apropria-se da pergunta do poeta: “Por que não é infinito o poder humano, como o desejo?” Dionisíaco, atropela todos os que imagina bloquearem sua gana por prestigio. Odeia frustrar-se. Diante de sua grandeza, desespera. Jamais alcançará o que prometeu a si mesmo. Diante de sua fraqueza, angustia-se. Nunca cumprirá o roteiro que impôs a si mesmo. Nietzsche bateu o martelo: “Conheço-me demais para me glorificar do que quer que seja”. E Comte-Sponville concluiu: “O que é mais ridículo do que bancar o super-homem?… humildade é ateísmo na primeira pessoa: o homem humilde é ateu de si, como o não-crente o é de Deus”.

Humildade e gratidão carecem da companhia uma da outra. O humilde sabe que não se fez. Ele não encarna o self-made man. Sente dever aos pais por tudo o que abriram mão para que estudasse; aos professores que lhe incutiram valores; aos amigos que não o abandonaram na vergonha; aos poetas que plantaram beleza no seu coração; aos profetas que lhe despertaram para a justiça.

O humilde repete uma litania secreta: “Não sou a causa de mim mesmo. Vejo nos outros a fonte da minha alegria. Celebro o meu presente como dom”.  José Ingenieros disse em seu formidável, “O Homem medíocre”: “Se há méritos, o orgulho é um direito; se não os há, trata-se de uma vaidade”.

Humildade equivale a esvaziamento. O prepotente não consegue amar porque não sobra espaço em seu mundo. Só ama quem abre mão de controle e se deixa invadir pela companhia do outro. Simone Weil afirmou: “o amor consente tudo e só comanda os que consentem em ser comandados”.

O humilde busca esse bem querer feito de renúncia. Ele sabe da impossibilidade de coerção e amor se misturarem. O pretensioso vive inflexível, impaciente e raivoso. Sua vontade deve prevalecer a qualquer custo. O humilde não se envergonha de recuar. Derrotas não representam para ele fracassos pessoais; insiste em não reprimir com violência. Sem se impor, o humilde não se vê esmagado pelas frustrações.

O humilde é discretíssimo e elegante. Prefere esconder dos olhos o que as mãos fizerem. Nunca se acostuma com ovações. Assim, quando nutre o desejo de perseguir a humildade, ninguém percebe; e quando escreve, sabe que está longe de tê-la alcançado. 

Soli Deo Gloria

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