A PARÁBOLA DO BEM E DO
MAL DA GRAÇA
Mateus 19-20
O jovem rico que tentara brincar de
vida eterna com Jesus, já havia ficado para trás. Também já havia acontecido
aquela conversa de Jesus com os discípulos sobre a dificuldade humana do rico
herdar o reino dos céus, sendo mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma
agulha; e os discípulos já tinham ficado chocados com tal afirmação; e já
haviam perguntado: “Sendo assim, quem pode ser salvo?”
O que ainda não havia ficado para trás
foi o olhar de Jesus, quando fitou os olhos deles, e lhes disse:
Isto é impossível aos homens, mas a
Deus tudo é possível.
Então Pedro, tomando a palavra,
disse-Lhe:
Eis que nós deixamos tudo, e te
seguimos; que RECOMPENSA, pois, teremos nós?
A resposta de Jesus foi cheia de
misericórdia, porém, carregava também uma preparação para eles mesmos.
Isso porque os líderes religiosos de
Israel achavam que os seguidores de Jesus—gente como Pedro—eram pessoas do
último grupo humano.
Por isto, aos fariseus, Jesus fazia o
dito “há primeiros que serão últimos; e últimos que serão primeiros” ser algo
que chegava como uma ofensa a todos os sentidos.
Afinal, como entre aquela plebe que
nada sabia da Lei poderia haver alguém que ficasse entre os primeiros?
Agora, porém, Jesus está falando com
os discípulos, e a questão passou a ser de recompensa, tema que imediatamente
leva o ser humano para o mesmo sentir dos fariseus; pois, pela recompensa se
estabelece a “classe”—indo de primeiros à últimos.
Eis a resposta misericordiosa de
Jesus, e que veio afofar as alminhas necessitadas de todos os humanos, que
quase sempre precisam de alguma recompensa para ser.
Ele lhes disse:
Em verdade vos digo a vós que me
seguistes, que na regeneração, quando o Filho do Homem se assentar no trono da
sua glória, que sereis assentados também sobre doze tronos, para julgar as doze
tribos de Israel.
Israel será julgado pelos últimos na
perspectiva de Israel, aquela “plebe que nada sabe da Lei”, como eles mesmos
diziam então.
Minha esperança é que todos os
apóstolos sintam a compaixão de Paulo, que afirmou preferir ele mesmo ir para a
condenação do inferno, se isto trouxesse salvação para Israel.
Hipérbole, é claro! Paulo sabia Quem
salvava quem. Ele apenas expressa compaixão visceral.
Ora, se prevalecer no coração
apostólico a paixão misericordiosa de Paulo, todo Israel será salvo, conforme
Romanos 9-11.
Então Jesus prossegue:
E todo o que tiver deixado casas, ou
irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome,
receberá cem vezes mais, e herdará a vida eterna. Entretanto, muitos que são
primeiros, serão últimos; e muitos que são últimos, serão primeiros.
Então, ato contínuo, Jesus olha para
os discípulos e lhes diz:
Porque o reino dos céus é semelhante a
um dono de casa, que saiu de madrugada buscando contratar trabalhadores para
lavrarem a sua vinha.
Ajustou com os trabalhadores o salário
de um denário por dia, e mandou-os para a sua vinha.
Por volta das nove da manhã ele saiu,
e viu que outros estavam ociosos na praça, e disse-lhes: Ide também vós para a
vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.
Outra vez saiu, por volta do meio dia
e depois às três da tarde; e fez o mesmo com outros que encontrou.
Quando já era quase cinco da tarde ele
saiu outra vez e achou alguns homens à toa na praça, e perguntou-lhes: Por que
estais aqui ociosos o dia todo?
Responderam-lhe eles: Porque ninguém
nos contratou.
Então o homem lhes disse: Ide também
vós para a vinha.
Uma hora depois deles chegarem para
trabalhar, anoiteceu. Então o dono da vinha disse ao seu mordomo: Chama os
trabalhadores, e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até os primeiros.
Chegando, pois, os que tinham ido por
volta das cinco da tarde, e receberam um denário cada um.
Ao chegarem então os primeiros,
pensaram que haveriam de receber mais, visto haverem trabalhado muito mais
tempo; porém, receberam um denário cada um.
E ao recebê-lo, murmuravam contra o
proprietário, dizendo:
Estes últimos trabalharam somente uma
hora, e os igualastes a nós, que suportamos a fadiga do dia inteiro e o forte
calor.
Mas o dono da vinha, respondendo,
disse a um deles:
Amigo, não te faço injustiça; não
ajustastes comigo um denário? Toma o que é teu, e vai-te; eu quero dar a este
último tanto como a ti.
E ele prosseguiu:
Não me é lícito fazer o que quero do
que é meu? Ou é mau o teu olhar porque eu sou bom?
E concluiu:
Assim os últimos serão primeiros, e os
primeiros serão últimos.
Nesta parábola nós temos uma
quantidade enorme de temas que são cobertos. Há nela a história da civilização,
a história de Israel, a história da Igreja, e a história do processo de
auto-percepção dos indivíduos.
Há cinco grupos de trabalhadores nesta
parábola. Somente o primeiro grupo tinha um “acordo” Formal e Legal com o dono
da vinha.
Três dos outros grupos foram
acreditando na justiça dele. E o último grupo apenas respondeu a razão da
ociosidade na praça, e atendei a ordem dele: Ide também vós para a vinha.
E eles foram, sem contrato, sem
acordo, sem esperança de qualquer direito; apenas foram...
Assim é o Reino de Deus num mundo
caído. Esta mensagem do Reino está se materializando hoje, em todas as
dimensões antes por mim mencionadas, visto que há nela a história da
civilização, a história de Israel, a história da Igreja, e a história do
processo de auto-percepção dos indivíduos.
Esse processo do Reino está em curso.
Naqueles dias eram os fariseus que melhor encarnavam o papel dos contratados da
primeira hora. Eles achavam que eles eram aqueles que haviam “garantido” a
vinha. Em seus corações havia a certeza de sua “oficialidade” para com Deus.
Eles tinham um “contrato”.
E já que também se julgavam justos,
achavam-se no direito de questionar a qualquer profeta que se fizesse
acompanhar de gente tão estranha e vadia; sim, gente que nunca nada havia feito
pela Causa da Vinha. Mas, sobretudo, eles criam que seus esforços de manutenção
estrita do contrato legal—a Lei de Moisés—lhes dava direitos e muitas
vantagens; afinal, eles eram os primeiros.
Portanto, a parábola caiu direto na
cabeça dos religiosos dos dias de Jesus, e que murmuravam Dele, do que dizia,
fazia, e da misericórdia transgressora que Ele praticava.
Os que foram esperando receber justiça
nada reclamaram. Afinal, no Reino, o pior que pode acontecer é justiça.
Então vem o grupo que não esperava
nada. Eles eram aqueles que foram para serem salvos de sua própria vadiagem e
falta de propósito, visto que ninguém os chamava; e eles mesmos já não criam
que seriam chamados para nada. Portanto, quando foram chamados, nem pensaram em
recompensa, mas apenas viram no chamado a própria recompensa.
Os da Lei vêem isto e se ofendem. É
injusto. Eles julgaram que o tempo lhes dava direitos societários na vinha, e
que o salário virara apenas uma questão de bônus proporcionais ao tempo de
serviço e ao esforço feito.
Do ponto de vista sindical eles seriam
modernos!
Mas o Reino não é um sindicato; visto
que o dono da vinha é o Justo, e a Ele tudo pertence; inclusive a oportunidade
de dar o trabalho.
A doença deles era a Justiça Própria.
E o problema deles era o Ressentimento e a Inveja.
Justiça própria é a doença da
espiritualidade que julgue que possuiu um Acordo com Deus.
Ressentimento é o sentimento que
habita o coração de todo aquele que é cheio de justiça própria, e que fica com
raiva de Jesus e dos que Ele perdoa.
Afinal, que justiça há no perdão senão
aquela que o homem que a si mesmo se chama justo considera como injustiça?
Perdão não é Justiça. Perdão é a
injustiça que a misericórdia pratica!
A inveja é o resultado dessa
competição com aquele que o “justo”, ou o “direito”, ou o “legal” chama de
“vadio da última hora”; ou chama ainda de “ocioso da graça”.
É a mesma doença do irmão mais velho
da parábola do filho pródigo.
É a mesma doença da mulher de Ló.
É a mesma doença dos irmãos de José.
É a mesma doença de Saul.
É a mesma doença dos sacerdotes em seu
ódio contra os profetas.
É a mesma doença dos fariseus em
relação aos publicanos, pecadores, pescadores, meretrizes, Zaqueus, Madalenas,
Pedros, e gentios.
É a mesma doença do Sinédrio de
Israel, “pois por inveja O entregram”.
É a mesma doença de Sallieri em
relação a Mozart.
É a inveja...
Aquilo que os que não esperam nada,
senão significado, transforma-se em alegria e festa; para os da Lei significa
injustiça, ressentimento, e inveja.
Assim, o Reino comete a injustiça da
misericórdia; visto que a justiça é apenas o que é; porém a misericórdia faz o
que não é, passar a ser. Por isto é que a misericórdia triunfa sobre o juízo.
É por esta razão que eu não creio nos
contratos que os homens crêem que têm com Deus.
Eu prefiro a surpresa. Afinal, que
pacto tenho eu feito com Deus, senão o pacto que Ele fez comigo?
Ele fez uma aliança comigo. Eu apenas
bebo do cálice.
Os da Lei receberam conforme o
contratado; e, segundo Paulo, não é um bom negócio.
Mas os da Graça—esses que simplesmente
crêem—haverão de receber infinitamente mais do que qualquer coisa; e melhor
será para eles se não pedirem para si mesmos nada; deixando tudo com Ele.
Há muitas coisas na terra, no céu, em
baixo da terra, no presente, no porvir, no mundo espiritual, e, certamente,
também há criaturas, que podem me separar de meu amor por Deus.
Todavia, nenhuma dessas coisas pode me
separar do amor de Deus por mim. Isto, porque eu sei que é Ele quem garante a
minha vida; e eu não quero Dele nada, senão significado para ser, Nele; e não
tenho nada a comparar; e nem ninguém que eu ache que está no meu lugar; e nem
me apresento a Ele com nenhuma expectativa. Tudo que vier de Sua boca para mim,
eu sei, é bom.
Todavia, a parábola de Jesus não ficou
condicionada ao tempo e ao espaço. Ela é viva. Daí Jesus ter dito também aos
discípulos que soubessem que também entre eles essa doença pegaria. E que,
portanto, o mesmo que se dizia aos fariseus e autoridades religiosas que
julgavam a eles, os discípulos; também os próprios discípulos poderiam vir a
dizer uns dos outros, e praticar uns contra os outros; e pior contra o próximo.
Assim, em cada fariseu pode haver um
discípulo—Saulo de Tarso nos dá testemunho disto. Mas também em cada discípulo
pode nascer um fariseu.
Desse modo, a advertência escatológica
feita por Jesus incide sobre todos os homens, cristãos, e não cristãos. E é um
princípio que Ele aplica no mundo inteiro.
Afinal, Jesus está falando do Reino de
Deus, não de Israel e nem da Igreja apenas.
O Reino Deus acontece sobre tudo o que
existe. E se esse é um princípio do Reino, sua obediência deveria nos fazer
esquecer todos os contratos e todas as barganhas com Deus, e a nos desvestirmos
de todas as nossas certezas e presunções; e, assim, entregarmo-nos sem
complicações apenas aos cuidados da Graça de Deus.
Se Ele quiser dar a todos o que deu ao
melhor de todos nós, que assim seja. Afinal, quem entre nós jamais mereceu
qualquer coisa?
Senhor, basta-me ouvir-te gritar da
Cruz: Tetelestai!
Estou satisfeito com os tesouros que
não me prometeste; exceto depois que fiquei sabendo que já eram meus!
Caio
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