O teólogo Leonardo Boff é um dos maiores
críticos brasileiros ao comportamento recente da Igreja Católica. Expoente da
Teologia da Libertação, foi expulso da Igreja nos anos 80, por criticar
sistematicamente a hierarquia da religião. Doutor em Filosofia e Teologia pela
Universidade de Munique, Boff falou a ÉPOCA sobre os principais motivos da
grande perda de fiéis da Igreja Católica para as evangélicas e pentecostais no
Brasil e fez críticas ao movimento carismático, comandado pelos padres Marcelo
Rossi e Fábio de Melo. “Eles são animadores de auditório. Isso não leva ninguém
à transformação. É um Lexotan”.
ÉPOCA – O Papa Bento XVI reconheceu, no
último dia 10, a enorme perda de fiéis da Igreja Católica no Brasil e a rápida
expansão das evangélicas e pentecostais. A que se deve isso?
Leonardo Boff - São três causas. Primeiro, a
Igreja não consegue ter padres suficientes pra atender fiéis, por causa do
celibato. São 17 mil, e teriam de ser uns 120 mil. As pentecostais ocupam esse
vazio. Elas vão ao encontro das demandas do povo. O povo não é dogmático, vai
pro centro espírita, vai pra macumba… Em segundo lugar, a grande desmoralização
que a igreja sofreu com os padres pedófilos. É a maior crise desde a Reforma
Protestante. É uma crise grave, porque se desmoralizou e perdeu o conteúdo
ético. A maneira como o Vaticano se comportou foi desastrosa. Tentou encobrir e
depois disse que era um complô internacional. Só quando começaram a aparecer
muitos casos que o papa disse que tinha que punir. Mas, mesmo assim, não
mostrou solidariedade com as vítimas e nem como mudar isso. Só pensa na Igreja.
Em terceiro lugar, o fato de a Igreja ter uma visão muito abstrata da
realidade. Uma linguagem que o povo não entende direito.
ÉPOCA – O senhor acredita que nas
últimas décadas houve um retrocesso na modernização da Igreja Católica?
Boff - João Paulo II e Bento XVI abortaram as
inovações de João Paulo I e afastaram a Igreja do mundo. A Igreja não tem
dialogo com as outras igrejas. Falta uma reconciliação com o mundo moderno.
Desde o século XVI que a Igreja vive em briga com ele. A igreja se abriu a isso
e João Paulo II, com sua visão medieval, abortou tudo isso. A Igreja não tem
mais poder político. Só tem poder moral. Reforçou a estrutura hierárquica
tradicional. Marginaliza mulheres, e os fiéis têm a representatividade de
garis. A igreja dos anos 60 aos 80, quando surgiram a Teologia da Libertação e
os movimentos de base, foi abortada. Isso tornou a igreja antipática.
ÉPOCA – O que os católicos encontram
nas outras igrejas que não encontram na Católica?
Boff - O povo quer uma mensagem compreensível
e simples. As evangélicas utilizam os instrumentos do mercado e são muito
calcadas em cima da prosperidade. Há uma grande manipulação das expectativas e
do sentimento religioso do povo. Mas, ao mesmo tempo, elas são formas de
ordenar a sociedade. Muitas famílias que viviam nas drogas e na bebedeira se
estruturaram, se inseriram na sociedade. Fator de ordem..
ÉPOCA – Bento XVI disse que os padres
não estão evangelizando suficientemente os fiéis e que as pessoas se tornam
influenciáveis e com uma fé frágil. O senhor concorda?
Boff - O problema não é evangelizar. É a
maneira como se faz. O catecismo e outros símbolos imutáveis são engessados,
não falam no fundo das pessoas. É um cristianismo fúnebre. O padre Marcelo
Rossi está imitando as pentecostais. Há um vazio de evangelização, é a relação
pessoa e Deus. É melhor escutar o padre Rossi do que escutar a Xuxa, mas é a
mesma coisa. Eles são animadores de auditório. Isso não leva ninguém à
transformação. É um Lexotan. Depois volta a lógica dura da vida. É uma
evangelização desgarrada da vida concreta.
ÉPOCA – O papa já se mostrou não ser
muito favorável aos líderes mais carismáticos, como Marcelo Rossi e Fábio de
Melo. Isso não complica as coisas?
Boff - O Vaticano e os bispos não gostam de
ter sombra ao lado deles. E Roma não gosta disso. Por isso quer enquadrá-los.
Eles são modernos e mercadológicos. Por outro lado, não levam as pessoas a
refletirem sobre os problemas do mundo. O padre Rossi nunca fala dos
desempregados e da fome. Só convida a dançar. Ele louva as rosas, mas esquece o
jardineiro que as rega.
ÉPOCA – Qual seria a melhor forma de
atrair quem anda distante da Igreja Católica?
Boff - A melhor forma é aquilo que a Igreja da
Libertação faz desde os anos 70. Reunir cristãos pra confrontar a página da
Bíblia com a da vida. Uma evangelização ligada ao cotidiano e às culturas
locais. Uma coisa no Nordeste, outra na Coreia. Essa visão proselitista é
ofensiva à liberdade humana.]
ÉPOCA – Essa tendência de crescimento
das outras igrejas se reflete em outros países tradicionalmente católicos. Ela
é universal?
Boff - É um fenômeno mundial chamado imigração
interna do cristianismo. Muitos cristãos da Europa que estudaram estão migrando
de igreja. Não aceitam esse tipo de igreja. O cristianismo na Europa é agônico.
A Alemanha, por exemplo, que tem o imposto religioso, o destina para a luta
contra a aids. É outra visão. Tanto que a maior religião do mundo já é a
mulçumana, que cresce muito na África. É simples. Não tem padre, nem bispo.
Atrai muito mais as pessoas.
Fonte: Revista Época
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