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Por Levi B. Santos
No país chamado Divinolândia os indivíduos
eram híbridos de carne e sonhos. A exploração dosentimento religioso deu
um sentido especial à vida da maioria dos divinolandenses, quando uma criação
maravilhosa levou muitos ao delírio e alguns sortudos ao pódio máximo da fama.
Surgiu então uma profissão, dita sagrada — a de “vendedor
de travesseiros para sonhar”.
A maioria dos habitantes suspirava de alívio, pois teria
enfim chegado o momento de ter sonhos gloriosos. Os travesseiros vendidos eram
para produzir sonhos fantásticos e eletrizantes. A maioria foi envolvida no
misterioso clima dos sonhos extraordinários que os travesseiros produziam.
Repentinamente, essa descoberta fez o comércio se expandir de forma geométrica.
Por fim, já existiam os comerciantes que vendiam travesseiros de duas faces;
uma face para sonhos bons, e outra para sonhos de terror e suspense. Desse
modo, os astutos vendedores faturavam mais, pois vendiam um pelo preço de dois.
Alguns de Divinolândia, inutilmente, propagavam
que os sonhos eram conteúdos vindos da mente, mas não eram compreendidos pela
massa ignara que achava que os travesseiros captavam algo do ar para dentro das
cabeças adormecidas sobre os travesseiros miraculosos.
Os que faziam parte da elite da sociedade achavam tudo
aquilo ridículo e não mais suportavam o “frenesi” de gente à procura de
travesseiros para sonhar. Estes começaram a estudar nos livros da velha
biblioteca central e ficaram a par da cultura fundadora daquele povo. Estudaram
tanto nos pergaminhos que a palavra SONHO ficou maior do que
os versos que a continha. Fizeram inúmeras reuniões no sentido de acabar com o
devaneio “travesseiral” dos sonhadores.
A febre de sonhos que caiu sobre Divinolândia estava
prejudicando até a vida econômica do país, pois de todos os produtos de
exportação, só a venda de travesseiros para sonhar é que
estava a todo vapor.
As pessoas situadas no topo da aristocracia, que também
sonhavam aleatoriamente sonhos, ora bons, ora terrificantes sem necessidade dos
travesseiros, tiveram uma ideia, e, de comum acordo, começaram a espalhá-la aos
quatro cantos do país. Já que lutar contra os travesseiros e os seus vendedores
era uma tarefa inglória e fadada ao insucesso, só lhes restavam uma única
alternativa: propagar cientificamente que os sonhos não existem, por não ser
algo demonstrável ou palpável.
Aos que diziam que os travesseiros produziam sonhos, os da
elite cultural respondiam: “Isso é uma ilusão!”- “Isso é uma
loucura”.
Aos que diziam que vivenciaram os sonhos, e por isso,
estavam certos que eles existiam, os estudiosos dos livros da grande
biblioteca, retrucavam: “os sonhos não existem!”. Mas
entre os dois grupos em atrito havia os moderados que apesar
de não concordarem com travesseiros produtores de sonhos, não asseveravam que
sonhos eram loucuras ou ilusões, pois, criam perfeitamente que ao sonhar, o ser
humano estava entrando em contato com o seu conteúdo mental reprimido ou
excluído da consciência, e compreendiam que as racionalizações que constituíam
o “real” do seu dia-a-dia eram determinadas por forças provindas de
um porão obscuro denominado INCONSCIENTE.
Mas, eis que um da elite cética cultural de Divinolândia,
numa noite solene, teve um sonho fantástico em que um dragão denominado “Ciência” lhe
apareceu em vestes brancas fazendo uma destradução de Atos 2: 17, da qual ele
gravara só essa parte, que diz: “Nos últimos dias, digo eu, derramarei
do meu espírito sobre toda a carne. Naqueles dias os vossos jovens
não mais terão visões nem os vossos velhos terão mais sonhos”.
Um deles tinha tanta certeza de que chegaria esse dia, que
uma noite sonhou que o dragão da ciência aparecia todo
resplandecente à sua frente, bradando: “Tenha fé, tenha fé, não esmoreça
que esse dia chegará, e não tardará!”.
[Ensaio postado originariamente no blog ― “Ensaios
& Prosas” ― em 20 de outubro de 2010]
3 comentários:
Perfeito.
Sonhar ou não Sonhar eis a questão!
Bonita divagação, amigo Anderson.
Todavia, a questão principal permanece sem resposta: afinal, por que a necessidade desses sonhos, se eles não são naturais? São confundidos com outra categoria apenas para serem justificados como sonhos. Me parece que, no caso, a designação é imprecisa.
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