sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

FÉ, LEI E REI



Gostava da época da inocência, aquela em que não éramos obrigados à fé, nem à lei, nem ao rei! Coisas de índios, diriam alguns, afinal, gente civilizada tem fé, lei e rei... E, de fato, essa foi uma sentença da coroa portuguesa, nossos colonizadores civilizados, contra os nativos que não se deixavam dominar...

Aliás, é por se acreditar em tantas coisas, que uma série de outras são instituídas em regras e, geralmente, com um, em que também, acredita-se ser destaque, superior em hierarquia. Acredita-se, acredita-se, acredita-se... Contudo, na inocência era a amizade que prevalecia! Amizade: palavra, sentimento, atitude; que, enquanto mais fé, lei e rei, mais é esquecida. E como poderia ser diferente, se essa lição vem da própria fé?

Amizade pressupõe confiança, é um sentimento de lealdade e de afeição, mas a fé nos diz que é maldito o homem que confia no homem! A fé, a lei e o rei não reconhecem alteridade, sobrevivem de imposições, cogentes; sem rosto, abstrato e sobreano beiram ao fantástico, ao fanático, e tudo que é nominado, por eles, jamais o será de amigo, porque, primeiro, quis-se a posse, a sujeição.

Quem tem fé na amizade, não tem um amigo, afinal, fé é certeza de algo que se espera e confiança em algo que não se vê, mas quem tem um amigo não espera nada e sempre confia no que se é, no que se vê! Há pessoas que dizem que ter amizade com fulano ou sicrano é de lei... Então, fulano e sicrano não são amigos, pois a lei é erga omnes (atinge, obriga a todos), mas o amigo, não atinge, nem obriga, é inter partes e ergue o homem, na sua dignidade e afeição, sem obrigá-lo a nada e nem sujeitá-lo. Já vi pessoas que tratam ao outro  de “meu rei”, pude concluir que não são amigos... Afinal, um amigo não é um nobre, um sobreano, que exige devoção, submissão e reverência, mas o amigo é uma extensão do amor próprio que primeiro cultivamos em nós mesmos, e ofertamos ao outro que elegemos em nosso afeto e lealdade, sendo tal sentimento mútuo.

Tenho saudades da inocência, quando não sabia nada de fé, de lei ou de rei, mas apenas me regalava com a presença de meus amigos... Época em que ser cúmplice era o suficiente para sermos felizes, em que um sorriso sincero, presente e satisfatório valiam mais que mil palavras... Época que mil palavras, que saiam da boca do amigo, traziam completude e alegria... Sem esperança de nada, pois nada escolhíamos esperar; sem regra de nada, pois a única real atitude estava baseada no respeito; sem se sujeitar a nada, pois tudo o que é significativo cria seu próprio espaço sem se valer da força ou da imposição.

Quanto à fé, à lei e do rei, a mim, já não me dizem nada...

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