A esquerda acha
que o homem é bom, mas vai mal – e tende a piorar. A direita acredita
que o homem é mau, mas vai bem – e tende a melhorar. A esquerda acusa a direita
de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir,
discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais
amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um
comitê). Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e
constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o
problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois:
depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade.
O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte
com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?,
cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra
frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.
Direita e esquerda são
uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento,
os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes),
diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda.
(“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o
corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço
plásticas, rebate a direita. Neurótica! – grita a esquerda. Ressentida! – grita
a direita. A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A
esquerda vai à yoga, porque o processo é tão ou mais importante que o
resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita). Um estudo de
direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem
mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais
saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de
Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos — se encararmos
vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício
público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema
cardio-vascular é de esquerda).
Um estudo de esquerda
talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com
os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga
(processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos
mais do que a musculação. Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos:
esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo.
Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante
sobre os Vigilantes do Peso). Evidente que, dependendo da época, as coisas
mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia
de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for
enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris). Hoje a
universidade é de esquerda e a mídia, de direita. As coisas também mudam,
dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita.
Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um
suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um
generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).
Leão, urso, lobo:
direita. Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha:
stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria
sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita.
Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro
que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que
se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo,
calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda.
Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade,
praticidade, razão). Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para
dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do
contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um caudilho de
direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda.
Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita – e pela
maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda,
bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita.
Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de
esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de
direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal
moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.
Graal é de direita,
Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e
Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita. No
sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus:
esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima:
esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a
visão de uma mulher – de esquerda). Vogais são de esquerda, consoantes, de
direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar,
pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e
Freakonomics embaixo do braço. (O trema e a crase acham todo esse debate uma
pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).
“Eu gostava mais no
começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.
Dia é de direita, noite é
de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita,
montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de
esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental”
é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita.
Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de
direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron
informou que ele prefere ausentar-se da discussão.
To be continued (para
os de direita) Under construction (para os de esquerda)
Autor: Antonio Prata é escritor. Nasceu em São
Paulo em 1977. Publicou alguns livros de contos e crônicas, entre eles “Meio
Intelectual, Meio de Esquerda” (Ed. 34), e escreve no caderno Cotidiano da
Folha às quartas-feiras via
Via Conexão da Graça
http://omundodaanja.blogspot.com/2011/10/direita-versus-esquerda.html
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