By Daneiele F. Pusceddu
Maria, uma menina que nasceu pobre, sem
muitas condições financeiras; condições essas que via em suas amiguinhas, por
estudar, de favor, através de uma bolsa concedida por intercessão de uma
assistente social às freiras de um colégio católico destinado à classe média.
Maria com seus cabelos longos, lisos, mas
mal-tratados, ofuscados, sem brilho, o mesmo não brilho do seu olhar gélido
sobre a escola fria, de valores frios, de homens frios e de mulheres,
igualmente, frias, que viam nela mais um bichinho de estimação a que uma pessoa
humana... Nada que se é dito conceitualmente, claro, mas que permeia
silenciosamente o inconsciente dos ditos “homens de bens”, e que ainda
conseguem se gloriarem por ser tão caridosos e cheios de amor!
Maria de pele parda e voz rouca, logo
descobriria que as pessoas, podem e, invariavelmente, são cruéis, na tenra
idade, na formação de seus nobres valores, em um colégio de pessoas ditas
nobres... Em uma aula, não tinha caneta para suas anotações, e pediu emprestada
a uma colega, o que não houve recusa, mas, de pronto, foi acusada de roubar os
objetos pessoais da mesma, o que sem entender e ofendida, não argumentou nada
em seu favor, preferiu o silêncio, ainda sem saber que ele é um Direito
Constitucional! E a chorar na direção, quase perdendo sua bolsa de estudos,
houve a absolvição. O padre diretor da instituição não havia acreditado no
feito, contudo, preferiu conversar com a menina Maria, com a ingênua Maria...
O conselho do padre foi cruel, mas
garantiria a sobrevivência da pobre menina: “você a partir de hoje só usará o
que é seu, se você não tem caneta, não peça emprestado a ninguém, escreva com
lápis, ou simplesmente não escreva... O que é seu é seu, o que dos outros, dos
outros, e isso nos evitará problemas!”. Sim, Maria entendera o recado, muito
além do que se possa imaginar, afinal, aquela pobre criança tímida compreendia
que na sua vida tudo deveria ser com muito esforço e trabalho, nada seria tão
fácil, e que as pessoas emprestam alguma coisa para as outras se nisso houver
algum interesse comum, interesse que eles não tinham nela, salvo, pelo desejo
incontrolável de terem-na como o objeto de escárnio.
Sim, Maria cresceu, de menina a uma linda
moça pobre, não tão ingênua quanto
antes, iria descobrir outra imperiosa
lição, talvez duas! Com a puberdade, sim, às primeiras paixões e com elas as
grandes decepções... Por Ronaldo se enamorou, e como todo adolescente amante,
sonhou... Sim Maria sonhou muito, mas numa conversa que ouviu do pai do rapaz
com seu filho, logo seu pranto foi verdadeiro. Um conceito estranho, entretanto
soube que rico casa com rico e que os pobres, como Maria, só servem para se
prostituírem, portanto ela deveria ser objeto de prazer para Ronaldo, mas nunca
esposa, pois ele deveria se casar com uma mulher branca e de posses, de família
nobre...
Com aquele velho olhar gélido, ao
horizonte, entendia que a culpa sempre é das putas, e que essas são as que
transam por pouco dinheiro, afinal, “mulher honesta” se casa por muito
dinheiro... E que não importava o que fizesse, na sua condição financeira, ser
puta sempre seria a grande possibilidade da maioria, ainda que não transasse,
afinal, não sabia o porquê disso, apenas, sabia que era assim.
Maria não desistiu, formou-se no colégio,
foi para faculdade, graduou-se em Direito, foi advogada e logo juíza... Maria
não era mais pobre, nem bonita, afinal, estava linda, embora seu olhar gélido
ainda pairasse sobre as pessoas e no horizonte... Maria não se casou, e nem
queria... Afinal, havia aprendido muito
em sua infância e adolescência sobre a natureza humana da classe média! Maria
se tornou rígida, e seguia o velho conselho do padre do que é seu é seu, dos
outros, dos outros... Jamais pedia emprestado, ou conversava à toa, excelente
profissional, extremamente competitiva, não se importava em ser simpática, apenas
desejava ser admirada por sua competência, e isso, de fato, era!
Próximo à páscoa, Maria subia à rua de sua
casa, quando de subido, estacionou seu carro e, com um olhar diferente do
gélido, agora flamejante, intenso passou a observar duas crianças sentadas na
calçada, duas crianças pobres, com uma marmita, e apenas uma colher, em que uma
enchia a colher de comida, comia, e passava a outra, que o mesmo fazia, e assim
se revezavam na única marmita com uma única colher! Maria desceu de seu carro
importado, foi até o bar da esquina e comprou 3 litros de coca-cola e dois
copos descartáveis, e deu aos meninos, que com olhar terno e um belo sorriso
agradeceram a gentileza...
Maria entrou no carro e continuou a
observar, os meninos encherem um copo de coca-cola e ignoraram o outro, e um
dava uma golada e passava ao outro que o mesmo fazia... Com os olhos marejados,
e um nó na garganta, Maria olhou profundamente para os dois, intensamente, foi
então que Maria chorou..
FOI ENTÃO QUE MARIA CHOROU.. de Daneiele F. Pusceddu é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil.
Based on a work at omundodaanja.blogspot.com..
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