Gostava da época da
inocência, aquela em que não éramos obrigados à fé, nem à lei, nem ao rei!
Coisas de índios, diriam alguns, afinal, gente civilizada tem fé, lei e rei...
E, de fato, essa foi uma sentença da coroa portuguesa, nossos colonizadores
civilizados, contra os nativos que não se deixavam dominar...
Aliás, é por se acreditar
em tantas coisas, que uma série de outras são instituídas em regras e,
geralmente, com um, em que também, acredita-se ser destaque, superior em
hierarquia. Acredita-se, acredita-se, acredita-se... Contudo, na inocência era
a amizade que prevalecia! Amizade: palavra, sentimento, atitude; que, enquanto
mais fé, lei e rei, mais é esquecida. E como poderia ser diferente, se essa
lição vem da própria fé?
Amizade pressupõe
confiança, é um sentimento de lealdade e de afeição, mas a fé nos diz que é
maldito o homem que confia no homem! A fé, a lei e o rei não reconhecem
alteridade, sobrevivem de imposições, cogentes; sem rosto, abstrato e sobreano
beiram ao fantástico, ao fanático, e tudo que é nominado, por eles, jamais o
será de amigo, porque, primeiro, quis-se a posse, a sujeição.
Quem tem fé na amizade,
não tem um amigo, afinal, fé é certeza de algo que se espera e confiança em
algo que não se vê, mas quem tem um amigo não espera nada e sempre confia no
que se é, no que se vê! Há pessoas que dizem que ter amizade com fulano ou
sicrano é de lei... Então, fulano e sicrano não são amigos, pois a lei é erga
omnes (atinge, obriga a todos), mas o amigo, não atinge, nem
obriga, é inter partes e ergue o homem, na sua
dignidade e afeição, sem obrigá-lo a nada e nem sujeitá-lo. Já vi pessoas que
tratam ao outro de “meu rei”, pude concluir que não são amigos...
Afinal, um amigo não é um nobre, um sobreano, que exige devoção, submissão e reverência,
mas o amigo é uma extensão do amor próprio que primeiro cultivamos em nós
mesmos, e ofertamos ao outro que elegemos em nosso afeto e lealdade, sendo tal
sentimento mútuo.
Tenho saudades da
inocência, quando não sabia nada de fé, de lei ou de rei, mas apenas me
regalava com a presença de meus amigos... Época em que ser cúmplice era o
suficiente para sermos felizes, em que um sorriso sincero, presente e
satisfatório valiam mais que mil palavras... Época que mil palavras, que saiam
da boca do amigo, traziam completude e alegria... Sem esperança de nada, pois
nada escolhíamos esperar; sem regra de nada, pois a única real atitude estava
baseada no respeito; sem se sujeitar a nada, pois tudo o que é significativo
cria seu próprio espaço sem se valer da força ou da imposição.
Quanto à fé, à lei e do
rei, a mim, já não me dizem nada...
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