Entregue
a Paulo Brabo e, gentilmente compartilhado,
Depois
de tentar Jesus de todas as formas que conhecia, Satã deu-lhe as costas e
começou a se afastar, considerando que valia à pena deixá-lo sozinho no deserto
ponderando tudo de que havia aberto mão.
A
poucos passos de distância ele parou de repente, como se uma absurda noção lhe
houvesse ocorrido. Ainda de costas, o tentador virou apenas o rosto, para que
Jesus pudesse ouvi-lo.
–
Só mais uma coisa – ele disse. – Um conselho de amigo.
Jesus
não respondeu. Sem se deixar abater, o tentador virou inteiramente o corpo,
olhando Jesus de frente.
–
Quero lhe recomendar uma coisa. Encare como tentação, se quiser, mas dentre
todas essa deveria lhe
interessar.
Minha recomendação… Não: meu pedido é – e ele falava com
simpatia sincera – não destrua a religião dessa gente.
Jesus
ergueu para o outro dois olhos furiosos, mas permaneceu imóvel e em silêncio.
–
Sei que já fiz muita coisa errada – o tentador deu de ombros, como que se
confessando – mas convenhamos, hoje em dia a maldade anda no piloto automático:
quase nunca preciso intervir diretamente. E, para falar a verdade, acabei me
afeiçoando a essa gente. Caramba, eles são um bando de perdidos. Não há como
não ter pena deles.
Satã
olhou para conferir a reação de Jesus. Nenhuma.
–
O que estou querendo dizer é o seguinte – ele levou a mão ao queixo e olhou
para baixo, como se quisesse escolher bem as palavras.
Ele
ergueu finalmente o rosto. Era um rosto bonito.
–
Quero que essa seja uma briga justa, pra mim, pra você e até pra eles – ele fez
um gesto vago indicando o resto do mundo. – E se você destruir a religião desse
povo isso vai me dar uma vantagem que não quero de jeito nenhum.
Ele
deu um passo na direção de Jesus.
–
Então, se é isso que você tem em mente, peço que pense duas
vezes. Esse é um povo sofrido, meu querido. Essa gente não tem nada. A religião
é a última coisa, a única coisa a que essa gente pode de fato se apegar. Todo o
resto eu tiro deles ou eles tiram uns dos outros. Eles se vendem, se compram,
se destróem, mas a religião fica. Dá ordem à vida deles. Rédeas. E não se iluda
– o Diabo ergueu um dedo enfático. – Não pense que eles vão se lembrar de Deus
se você abolir a religião deles. Nenhuma chance. Eu minto muito bem mas não
estou mentindo agora.
Ele
deu mais um passo adiante, mais confiante agora.
–
Eu sei como você é. Deve estar se preparando agora mesmo para sair denunciando
as barbaridades dos que falam em nome Dele. Está certo, eu e você sabemos que
não são poucas. Você deve estar sonhando que vai libertar os cativos, que vai
dar genuíno cumprimento completo à Lei. Mas se é esse o seu plano, saiba que é
o contrário é que vai acontecer. Nada escraviza mais do que a liberdade. Nada é
mais incerto, e as pessoas precisam de segurança, a segurança que só a
religião, especialmente a sua, pode dar. O mundo vai cair em confusão se você
tirar o chão de debaixo deles. Não confunda essa gente. Faça essa cortesia: não
por mim, mas por eles. Faça o que quiser, mas não tire a religião dos homens.
Satã
deu um longo suspiro antes de concluir, com a seriedade da absoluta convicção:
–
Ninguém quer a liberdade que você quer dar. Isso ninguém pode mudar. Nem você.
Jesus,
que havia dispensado as tentações anteriores com um único verso da Escritura,
sabia que esta exigiria muito mais. O pacote completo.
–
No princípio… – ele começou.
E
o Diabo o deixou, porque não era mais necessário.
Via: Bacia Das Almas
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