Levi B. Santos
O Psicanalista, Roberto Girola, em um
substancioso artigo que versa sobre o DESEJO(link), dentro do
dinamismo psíquico, recorre a um trecho da carta atribuída ao apóstolo Paulo e
endereçada aos Romanos. Diz ele, sobre a essência desse texto, aparentemente,
de difícil interpretação: “é evidente a influência neo-platônica e,
ao mesmo tempo, o fracasso dos ideais estóicos de
auto-controle”. Nesse excerto paulino, podemos ver com fortes cores, a
angústia do homem frente às forças inconscientes que o dominam. Vemos também a
incapacidade do homem em conviver equilibradamente com suas vicissitudes e
afetos paradoxais.
Trata-se do emblemático trecho de Romanos (7, 15 –
24):
“Efetivamente, eu não compreendo nada do que faço: o
bem que eu quero, não o faço, mas o mal que odeio faço-o. Ora se faço o
que não quero, estou de acordo com a Lei e reconheço que ela é boa; não sou eu,
pois, quem ajo assim, mas o pecado que habita em mim ― quero dizer em minha
carne — o bem não habita. Querer o bem está ao meu alcance, não, porém
praticá-lo, visto que não faço o bem, que quero, mas o mal que não quero. Ora,
se faço o que não quero, não sou quem age, mas o pecado que habita em mim. Eu,
que quero fazer o bem constato essa lei em mim: é o mal que está ao meu
alcance. Pois eu me comprazo na Lei de Deus, enquanto homem interior, mas em
meus membros descubro outra lei que peleja contra a lei da minha razão e que me
acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros”. Infeliz que eu sou!
Quem me livrará do corpo dessa morte?”.
O desabafo acima, muito bem concatenado, parece demonstrar
que no peito de Paulo ardia um “duplo ser”: o da intolerância latente
representada pelo legalismo autoritário Judaico (arquétipo patriarcal –
de um Pai que necessita de súditos para O servir) e o do inconformismo em face
da tolerância do “vinde como estás” do cristianismo (arquétipo da alteridade –
de um Pai que desce ao nível do homem para servi-lo).
R.N. Champlin e colaboradores – em
sua volumosa coleção de seis volumes com mais de 4.000 páginas, na qual há
comentários extensos, versículo à versículo do Novo Testamento, chega a citar
um poema de Olavo Bilac, para exemplificar melhor o
conflito psíquico Paulino, que em psicanálise é explorado como produto da
ambivalência dos afetos, que caracterizam o humano:
“Não és bom, nem és mau; és triste e humano...
Vives ansiando em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano
Pobre, no bem como no mal padeces
E, rolando num vórtice vesano
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes
Não ficas da virtude satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem, juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.”
O ensaio “SOBRE
OS NOSSOS DEMÔNIOS INTERIORES”(link), de Junho de 2010, que postei na C.P.F.G.,
o qual foi muito debatido em cerca de 120 comentários realizados pelos
confrades, tem uma parte que mostra como, na visão mítica dos antigos, eram
interpretadas as profundas forças obscuras da psique humana:
“Uma coisa não se pode negar: é a de que a guerra
entre deuses e demônios vem se travando na mente dos religiosos desde épocas
remotas. Com a descoberta do ‘inconsciente’, ficou claro que esses deuses e
demônios que os antigos percebiam, nada mais são que produtos da psique humana
traduzidos por eles como forças externas personificadas do mal e do bem. A
figura do capeta, diabo ou demônio, ainda hoje, entre os fundamentalistas, é
traduzida como potestades do ar que invadem a mente para guerrear contra deuses
imaginários. É nesse grande palco mental denominado pelo apóstolo Paulo, de “lugares
celestiais”, que se trava a imaginária luta entre as potestades divinas e
diabólicas”.
Numa reflexão profunda, iremos notar que os grandes mitos
religiosos, como o da criação, no Gênesis, nos mostram em linguagem
alegórica ou figurada a bipolaridade de nossos sentimentos. A psique do homem
primevo, é representada pelo céu, andar superior,
ou lugares celestiais, tendo no trono um Pai autoritário a comandar
anjos “ovelhas” e anjos “bodes” em uma “eterna” guerra ou cruzada ―, numa
analogia ao choque dos sentimentos antagônicos descritos por Paulo.
A solução, para que haja períodos de trégua ou
armistício entre os nossos afetos paradoxais ― “anjos” e “demônios” ―, depende
muito de que se tenha a percepção de um “Superego” ou um pai mais
compassivo, menos cobrador e menos guerreiro.
Quando se fala que alguém perdeu o equilíbrio, em
linguagem mítica, podemos dizer que ele incitou seus anjos a uma guerra. Quando
falamos que estamos em PAZ, na linguagem mítica, estamos a dizer que os nossos
anjos (situacionistas e opositores) entraram em um acordo.
A batalha entre o ideal de “pureza ou santidade” e o nosso
lado “sombrio ou escuro” jamais será vencida com ódio e repressão. Quanto mais
integrarmos ou aceitarmos os nossos impulsos sombrios ou “abomináveis”, ao
invés de tentar expulsá-los ou projetá-los no outro, mais estaremos longe dos
efeitos destrutivos da cisão de nosso ser psíquico com toda sua gama de efeitos
doentios e alienantes.
“Esse é o nosso “destino melancólico” desde o começo
da história humana, e deverá permanecer enquanto houver vida humana consciente” (Paul
Tillich – Teologia da Cultura – página 245)
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