CONTRA A HOMOFOBIA, A LUTA É TODO DIA!
Rev. Márcio
Retamero*
A frase acima é usada no Movimento Homossexual
Brasileiro como um jargão ou refrão em nossas ações civis nas ruas, como
passeatas, protestos e paradas do orgulho LGBT.
Hoje, 17 de maio, é o dia mundial de
luta contra a homofobia, e este dia “nasceu”, em 17 de maio de 1990, quando a
homossexualidade foi retirada do chamado CID (Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde). A retirada foi oficialmente
declarada em 1992, ou seja, até esta data, a homossexualidade não era
considerada orientação sexual, tal qual a homossexualidade, mas uma PATOLOGIA,
ou seja, uma doença.
Vinte e dois anos depois da retirada
da homossexualidade como doença do CID, ainda existe pessoas que consideram a
homossexualidade como uma doença ou um comportamento adquirido. Ainda hoje,
psicólogos e psicólogas brasileiros, principalmente aqueles e aquelas afiliadas
às Igrejas Evangélicas de cunho fundamentalista como Marisa Lobo e Rosângela
Justino, tratam a homossexualidade como doença, não apenas por usar o termo
homossexualismo (sic), mas também por defenderem que a homossexualidade tem
cura! Ora, se algo tem cura ou precisa de cura, logo, é uma doença!
Hoje em dia, infelizmente, as pessoas, na
verdade, muitas pessoas, acreditam que a homossexualidade é uma doença ou um
comportamento adquirido. Agora pare e pense: se assim fosse este grupo de seres
humanos homossexuais deliberadamente, conscientemente “escolheram” ou
“aprenderam” a homossexualidade!
Tais pessoas pensam que um belo dia,
um homem ou uma mulher, acordaram, olharam pro espelho e disseram: “cansei de
ser heterossexual, a partir de hoje, serei, gay, serei lésbica” – e apertaram
um botão imaginário em algum ligar do corpo e – pronto! – viraram homossexuais
e por isso essas pessoas acreditam que homossexualidade é uma “opção” e não uma
orientação, ou seja, uma condição humana.
Os que pensam que é uma doença,
geralmente acreditam que a homossexualidade é um comportamento adquirido, como
as psicólogas citadas acima ou como os pastores e pastoras cristãos (?)
fundamentalistas pregam. De novo, pare e pense: nós, homossexuais, nascemos de
pais heterossexuais, fomos criados por eles em famílias onde a maioria das
pessoas são heterossexuais, crescemos dentro de um cultural cuja norma é a
heterossexualidade, numa sociedade onde o que é diferente da norma é, no mínimo
xingado de bicha, mariquinha, sapatão ou qualquer outro termo ofensivo.
Onde, então, aprendemos ser
homossexual? Na escola? Na Igreja? Nossos pais nos ensinaram? Nossos avós?
Algum pedófilo? A última opção até que poderia, sim, “influenciar”, contudo as
estatísticas e os estudos mostram que heterossexuais violados na infância por
pedófilos não seguiram a vida sendo homossexuais, que isso nada influenciou em
sua orientação sexual, e que trazem a infeliz marca do abuso sexual, do estupro
e sofrem com isso, necessitando muitas vezes de terapia e remédios. Tais pessoas
quando superam o trauma, casam com pessoas do sexo diferente, constituem
famílias e têm filhos e filhas, passando a viver dentro da “norma”, ou seja, da
heterossexualidade.
Vocês acham legítimo um branco dizer
como é ser um negro? Ou um homem dizer como é ser mulher ou vice versa? Um
ocidental dizer o que é ser um oriental ou vice versa? Não, né? Embora todos
sejamos humanos, e isso nos iguala, das nossas particularidades somente nós
podemos falar. Não é legítimo, antes, desonesto, um heterossexual declarar o
que é, o que pensa, o que sente um homossexual?
Todavia, heterossexuais gostam de
fazer declarações veementes contra a homossexualidade ou nos comparar com
doentes como pedófilos, necrófilos, zoófilos e demais parafilias conhecidas
pela psiquiatria. Heterossexuais gostam de julgar homossexuais dizendo que isso
é doença ou pecado ou comportamento adquirido e que é reversível e que ser
homossexual é uma escolha, um opção, sendo assim, passível de ser revertida!
Tais pessoas geralmente, nos dias de hoje, são religiosos e religiosas cristãs,
ligados à vertente fundamentalista das Igrejas Cristãs, pessoas que leem a
Bíblia ao pé da letra, ou melhor, que escolhem alguns textos da Bíblia e dizem
que tais textos têm de ser lidos ao pé da letra.
É muito difícil encontrarmos um
heterossexual resolvido com sua sexualidade, até mesmo que professam algum tipo
de fé, ainda que cristã, que dizem que homossexualidade é uma doença ou algo
que precisa ser curado, pois tais pessoas, leem, são cultas, estudam o assunto
e já chegaram à conclusão que ser homossexual não é pecado, nem doença, mas que
as pessoas homossexuais têm na área da sexualidade uma orientação diferente da
deles e nada além disso. Veem a homossexualidade como uma condição humana,
portanto, como algo normal.
O grande ativista pelos Direitos
Humanos e Arcebispo da Igreja Anglicana Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz,
declarou: “Nós lutamos contra o apartheid porque estávamos sendo acusados de
algo que não podíamos fazer nada sobre. É o mesmo com a homossexualidade. A
orientação é dada, não é uma questão de escolha. Seria louco alguém escolher
ser gay com a homofobia que temos hoje”.
Faço minhas as palavras do Arcebispo
Anglicano Sul Africano. Seria louco, insano, que uma pessoa, escolhesse ser
diferente das demais, marginal, fora da norma! A orientação é dada, não é e
nunca foi uma escolha ou comportamento adquirido! Alguém em sã consciência
gosta de sofrer bulliyng na escola desde a mais tenra infância? Alguém escolheria
algo que colocasse seus próprios pais contra você e alguns deles tomassem a
decisão de te cortar da família te expulsando de casa? Alguém, em sã
consciência gosta de ser humilhado, mal tratado, xingado, demitido do seu
emprego, abandonado por aqueles que consideravam seus melhores amigos por ser
gay?
Infelizmente acontece hoje o que
ocorreu no passado! Muitas pessoas usam as Escrituras Sagradas Cristãs, ou
seja, a Bíblia, para condenarem os homossexuais. Certamente tais pessoas seriam
as mesmas que, no passado, usavam a Bíblia contra as mulheres que eram
consideradas bruxas para a queimá-las na fogueira santa da Inquisição.
Certamente tais pessoas seriam as mesmas que usavam a Bíblia para afirmarem que
negros não tinham almas e que, por isso, poderiam ser escravizados. Certamente
são essas pessoas que ainda hoje usam a Bíblia para espalharem a misoginia e a
submissão das mulheres aos machos, espalhando, dessa maneira, o machismo, o
patriarcalismo. São as mesmas que usaram no passado a Bíblia para condenar
judeus à morte e aprovaram o que Hitler fazia na Alemanha na primeira metade do
século XX, porque na Bíblia o apóstolo Paulo diz que os judeus mataram Jesus e
que, por isso, seja sobre eles o seu sangue.
Contudo, veja você, hoje em dia não
ouvimos ou lemos textos dos fundamentalistas evangélicos dizendo que negros não
têm alma, ou que os judeus merecem morrer porque mataram Jesus e muitos já
aprovam, inclusive, a ordenação feminina ao ministério pastoral. Hoje as
mulheres cantam na Igreja, não usam véu, como ordena o apóstolo Paulo, pregam o
Evangelho e são chamadas de pastoras ou bispas, como Sônia Hernandez.
Agora pare de novo e pense: a Bíblia
é a mesma a mais de dois milênios, digo, a Bíblia cristã, pois a Bíblia hebraica
fechou seu cânone no VI século antes de Cristo, após o exílio da Babilônia.
Dois milênios temos o cânone fechado da Bíblia Cristã! Mudou a Bíblia?! Não! Os
textos são os mesmos, embora encontremos alguns textos ideologicamente
traduzidos de maneira tendenciosa e exclusiva como a tal da Bíblia NVI.
Se não mudou a Bíblia e se hoje não
encontramos crentes que defendem a escravidão de negros, a submissão das
mulheres e a matança de judeus, então, o que mudou?! Mudou a MANEIRA de
interpretar os textos bíblicos. Mudou a HERMENÊUTICA desses textos. Mas porque
só mudaram a hermenêutica somente destes textos e não dos demais textos que
SUPOSTAMENTE condenam a homossexualidade?
Homofobia é a resposta, pois assim
como a Igreja é o pai e a mãe do preconceito religioso que fez jorrar rios de
sangue contra mulçumanos e demais adeptos de outra fé, assim como a Igreja é o
pai e a mãe do racismo que ainda persiste, ainda que veladamente, pois já temos
leis que protegem os negros, assim como a Igreja é a mãe e o pai do machismo
que hoje anda mais ameno por conta da Lei Maria da Penha, assim como a Igreja é
o pai e a mãe do patriarcalismo que impera nos rincões do Brasil, a Igreja
Cristã, que já matou milhões de pessoas e fez correr rios de sangue – e ainda
faz porque espalha com suas pregações o discurso injurioso contra gays,
lésbicas, bissexuais travestis e transexuais – é a mãe e o pai da homofobia.
Usam a Bíblia, que deveria ser um veículo de amor e inclusão, para, como no
passado, matar, roubar – e muito! – e destruir vidas de pessoas cujo pecado é
ser LGBT!
Neste dia 17 de maio de 2012, o
deputado federal Pastor Marco Feliciano, publicou um contundente texto
homofóbico, onde ele afirma que os homossexuais do Brasil desejam e tem um
plano de aliciar as crianças para o “homossexualismo” (sic)! Além de insano,
tal posicionamento condenatório ajuda e corrobora com a matança de
homossexuais, no mesmo dia em que o noticiário nos informa que o Disque 100 do
Governo Federal, um serviço para denunciar a homofobia, recebe, por dia, 3,4
denúncias de agressões verbais e corporais contra homossexuais!
O Brasil é hoje um dos países mais
homofóbicos da Terra, e já contamos, no primeiro semestre de 2012, mais de
trezentos assassinatos, cujas vítimas eram gays, travestis e lésbicas! Tal
resultado vem da equação da pregação evangélica fundamentalista, que suja suas
mãos com sangue inocente mais o machismo cultural e patriarcal, cujo pai e mãe
também é a Igreja. Seja como for, é a religião que alimenta e fomenta a
homofobia em nosso país. Por isso, não conseguiremos atacar a homofobia a fim
de erradica-la, se não atacarmos o fundamentalismo religioso e como faremos
isso, já eles são tão poderosos, endinheirados, donos de rádio e TV além de
revistas e jornais aos montes?!
É justamente ai que nós temos que
atacar: as caixas pretas, os cofres dessas megas igrejas, dessas associações
com o nome de Cristo, desses vendilhões do Templo que usam a Bíblia para
arrancar dinheiro do povo e também não falta, se atentarmos para os jornais e
revistas que desde os fins dos anos noventa vem anunciando, supostas ligações
mafiosas, que usam tais igrejas como lavanderia do dinheiro manchado de sangue
do narcotráfico.
Se nós começarmos a entrar ai, no caixa
forte, nas caixas pretas, nas contabilidades dessas igrejas e quando seus
líderes começarem a observar que não é ameaça, mas algo real, uma ação do
Ministério Público e da Polícia Federal, então, eles aprovarão toda a agenda
LGBT, porque por dinheiro, vendem até a mãe!
Só erradicaremos a homofobia da
“Terra Brasilis” se bombardearmos os discursos injuriosos, travestidos de
liberdade de expressão e os caixas fortes dessas igrejas, do contrário, não
venceremos!
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*Márcio Retamero, 38
anos, é teólogo e historiador. Mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É
Pastor da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo e da Igreja da Comunidade
Metropolitana Betel do Rio de Janeiro. É escritor de quatro livros publicados
pela editora Metanoia. Seu último livro, recém lançado é “Você tem fome de
que?”.